Quem é o(a) discípulo(a)?
Falamos de discipulado, elaboramos estratégias para implementar este programa, que caracteriza o modo bíblico de ser Igreja. Mas precisamos nos deter um pouco mais no grande objeto desta ação de Deus, e cuja responsabilidade ele concedeu à Igreja. Qual seja o discípulo ou a discípula.
Comecemos na dimensão lingüística a expressão mathetes, que quer dizer discípulo, ou, no cotidiano da língua, o aprendiz, alguém que se dispõe a aprender com um mestre, uma profissão, uma arte, um estilo de vida. O termo é usado no Novo Testamento maiormente para indicar os que foram iniciados na fé cristã por Jesus, os 12 discípulos, passando a ser ampliado a todos os seguidores, alunos(as) de Jesus (cf. At 6.1).
Que são, em essência, todos que aceitam Jesus como Senhor e Salvador, e em seu nome são batizados, tornando-se para o resto da vida discípulos(as). Quer dizer, quem segue a Jesus e dEle aprende, segue aprendendo pelo resto de sua vida. Ainda que no Corpo de Cristo venha a ocupar a posição de mestre, pastor(a) ou profeta, jamais pode deixar de ser discípulo do Senhor Jesus. Não pára nunca de apreender. (cf. Gl 1.12). É humilde, é ensinável, seu coração está sempre aberto a aprender, afinal é um aprendiz, um aluno, sim, um discípulo.
O discípulo é seguidor do mestre. Falamos do mathetes, o discípulo, aluno, aprendiz de Jesus, alguém desejoso de aprender. A este substantivo, que é fundamental no discipulado, une-se o conceito transcrito no verbo akoloutheô, que significa ir para algum lugar com outra pessoa, acompanhar, ir atrás de alguém, seguir. No Novo Testamento, o termo aparece 80 vezes, sendo 70 delas nos Evangelhos; o ministério de Jesus, sua caminhada é o grande objeto desta relação de seguimento.
Sua chamada é decisiva, quem o segue é o convertido, alguém alcançado pelo carisma, poder de Deus, em Jesus. Por isso, seu convite ilustrativo no início do Evangelho: “... o tempo está cumprido, e o Reino de Deus é chegado, arrependei-vos (mudem de mente, de rumo), e crede no Evangelho.” (Mc 1.15). A seqüência desta passagem é junto ao mar da Galiléia: “... vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens.
Então eles deixaram imediatamente tudo e o seguiram.” (Mc 1.17-18). A expressão que fecha o verbo é a forma do aoristo grego do verbo citado de seguir, acompanhar. Gosto das expressões de J. Jeremias; na sua teologia do Novo Testamento, ele diz: “Jesus vê os homens correndo para sua perdição. Tudo está pendente por um fio. Esta é a última hora. O prazo da graça está passando. Jesus incansavelmente, assinala o perigo da situação presente. Este é o último minuto para buscar o acerto com seu adversário (cf. Mt 5.25; Lc 12.58s).
Ou em qualquer instante pode ressoar o aviso: é chegado o noivo! E como na parábola das 10 virgens o cortejo nupcial entra na sala, com as lâmpadas acesas, e é fechada a porta (cf. Mt 25.1-12). Cuidado para que não falte azeite na sua lâmpada ... Em uma palavra, relatos iguais a este querem dizer: Converta-se enquanto há tempo. A conversão é a exigência da hora, e é necessária não somente aos tidos pecadores, mas também dos que a seu juízo não tinham necessidade de penitência (cf. Lc 15.7); é para as pessoas que não cometeram pecados grosseiros. Para elas também é urgentíssima a conversão.”
Este estado da vida humana exige a conversão, e a evidência disto é: “Segue-me! Ele ... o seguiu.” (Mt 9.9). É sucinto, mas claro, tanto o convite a Mateus, Levi, como a resposta deste. Em seguida Jesus dá uma direção ao jovem rico: “Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres... depois vem e segue-me.” (Mt 19.21).
Aqui é radical e imediato o convite ao jovem rico; ou seja, converta-se e siga-me. A conclusão é que ao nos convertemos e seguirmos a Jesus, nos tornando então seus discípulos (as), dEle aprendendo, por Ele atraídos, ou como diz o Apóstolo Paulo: “Mas o que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo.
Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele...” (Fl 3.7-8). Lembrando que para seguir não podemos nos afastar dEle, ou perdê-lo de vista. O discípulo de Jesus é diferente do discípulo dos Rabis; seu seguimento é para toda vida, e seu aprendizado nunca acaba.
Características básicas do Discípulo ou da Discípula. Além do que mencionamos da natureza do discípulo-discípula, deixem-me repartir algo mais acerca do perfil do (a) discípulo(a). Considero importante sublinhar algo mais, porque o Senhor Jesus fez severas exigências aos que queriam ser e aos que seriam seus(suas) discípulos(as); algumas delas são praticamente esquecidas nestes dias de culto ao prazer, à vaidade. É a ética deste tempo que ensina que devemos usufruir o melhor que esta vida pode oferecer, custe o que custar. Cristãos estão vivendo mais esta ética que a ética do seguimento a Jesus, o discipulado.
A tendência que vemos é pastores e pastoras, lideranças em geral, se conformando a esta situação, e mesmo aderindo a isso, construindo uma teologia do prazer e do bem-estar que, indiretamente, reforça os valores de uma sociedade distante do Deus bíblico. Edificamos uma religião de compensação, de prazer, de muito a receber, e de nenhuma doação da vida, entrega, mudança de caráter, sim, nova vida e novo nascimento. Por isso, reconstruir a trajetória de o que é um discípulo, biblicamente, é reconstruir a base da igreja, ela não é verdadeiramente composta de membros sem compromisso, mas de discípulos(as).
a) “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.” (Lc 14.26). Tive muitas dificuldades com este versículo, porque família é algo decisivo, maravilhoso, além de bíblico. Mas, hoje, entendo que Jesus estava definindo prioridades, e prioridades saudáveis.
Pois a exigência de Jesus é que devemos amá-lo e servi-lo com todo o nosso ser, e este amor a Jesus gera em nós tamanha graça, unção e poder, que os primeiros beneficiários são os mais próximos a nós, nossa família. Tenho ensinado que na vida do discípulo, a ordem é esta: 1) Deus (Jesus); 2) Família; 3) Igreja e a missão. Reconheço que alguns por força da missão e do discipulado, têm pago um preço e com ele e sua família. A expressão é que além da família, ele aborrece sua própria vida. Ou seja, não há discipulado sem negar nossos próprios interesses.
b) Abnegação – “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue ...” (Lc 14.33). Aqui, há uma continuação do que dissemos acima, e muito mais. Negação não é o mesmo que renúncia. Esta é abster-se de alimentos, roupas, prazeres, posses, mesmo temporariamente, que é o mais comum (caso de quem jejua). Negar-se a si mesmo é um desafio ao discípulo, para atender um projeto de vida e seguimento a Jesus. Significa, sim, total submissão a Cristo, “... não mais eu [...] mas Cristo vive em mim.” (Gl 2.20).
Para ser discípulo do Senhor Jesus, é preciso abandonar tudo. Este é o inconfundível significado das palavras do Salvador. Não importa quanto possamos objetar a uma exigência extrema assim, não importa quanto possamos rebelar-nos contra uma política impossível e imprudente como essa – permanece o fato de que esta é a Palavra do Senhor, e Ele pretende dizer o que diz.
De início, devemos encarar estas verdades inexoráveis: Jesus não fez esta exigência a uma certa classe seleta de obreiros cristão. Disse: “... todo aquele que entre vós ...” Não disse que devemos estar simplesmente desejosos de abandonar tudo. Disse: “... todo aquele que dentre vós renuncia...” Não disse que devemos renunciar somente a uma parte da nossa riqueza. Disse: “... todo aquele que dentre vós não renuncia a tudo quanto tem...”
Não disse que uma forma diluída de discipulado seria possível ao homem apegado aos seus tesouros. Disse Jesus: “... não pode ser meu discípulo.” Na verdade não deveríamos surpreender-nos com esta exigência absoluta, como se fosse à única indicação desse tipo na Bíblia. Como Wesley acertadamente disse: “Juntar tesouro na terra é tão claramente proibido por nosso Senhor como o adultério e o homicídio.”
Escolher a cruz – “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz,...” Devemos fazer uma correção ao conceito popular de cruz. Dizem no meio do povo: “... esta enfermidade é a minha cruz.” Ou: “Meu marido, que bebe muito, é a minha cruz.” Isto é um equívoco; tais casos podem ser chamados de opressão, tribulação, mas nunca de cruz.
Cruz é algo que o(a) discípulo(a) decide e escolhe deliberadamente. Muitas vezes, como foi com Jesus, é algo que gera até crítica ou humilhação. É optar pelo desconforto, pela perseguição, exemplificando, são os ultrajes vários que foram acumulados, lançados contra Jesus, contra Paulo, contra Wesley; este teve proibida sua pregação nos templos anglicanos.
Disposição para seguir em toda e qualquer situação – “... tome a sua cruz e siga-me.” (Mt 16.24). Bonhöeffer, em seu livro sobre o discipulado, comentando o chamado de Levi (Mateus), diz o seguinte: “Soa a chamada, e logo se segue o ato de obediência – o seguiu.” (Mc 2.14). Ele comenta que o texto, estranhamente, faz silêncio sobre o que se passa entre chamada e seguimento; não explica. E então dá a sua explicação: “Por que não há explicação? Porque para esta justaposição de chamada e ação só existe uma razão válida: o próprio Jesus Cristo. É ele quem chama, e por isso o publicano O segue.
A autoridade sem reservas, direta e fundamental de Jesus é testemunha neste encontro... “O fato de Jesus ser o Cristo dá-lhe todo o poder para chamar e para exigir obediência à sua Palavra.” Eu acrescento, o poder atraente e constrangedor da chamada de Jesus, está no poder do Espírito de Deus que estava sobre Ele. Isso precisamos nós: ouvidos para a ouvir Deus, e unção para chamar em nome de Deus.
Amor à Igreja, amor aos perdidos. “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores.” (Rm 5.8). Deus depende dos discípulos e discípulas para tornar conhecido o seu amor pela Igreja e pelos perdidos. Lucas 15 é uma sucessão de parábolas que ilustram a festa no céu por cada pecador que se arrepende. É o que é a Igreja, senão a comunidade dos pecadores arrependidos da vida de pecado, e dispostos a viver para Deus.
Cristo amou a Igreja! Esta não é uma frase original. Veja o que disse Paulo aos Efésios: “Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra, para apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito.” (Ef 5.25-27). Jesus amou a Igreja e a escolheu para ser sua noiva, e sua mensageira ao mundo. A ação fundamental do Espírito do Senhor no mundo se dá na Igreja e através da Igreja.
Consistem em pecado grave levantar nossa língua contra a Igreja, que, afinal, somos nós mesmos, especialmente, nós, pastores (as) e líderes. Jesus quer que a Igreja seja espiritualmente saudável, e isso passa pela vida dos (as) discípulos (as); é exigência do Senhor que amemos a Igreja, o Corpo de Cristo, os irmãos e irmãs. “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros.” (Jo 13.35). Amar a Igreja é orar por ela, integrar-se a ela, preservar sua unidade, etc...
Cristo amou o mundo, chorou por Jerusalém, e teve compaixão do povo, pois eram ovelhas sem pastor. Isso obriga a que o(a) discípulo(a) tenha, como Cristo, paixão, amor pelos perdidos; na linguagem de Wesley: “Paixão pelas almas. Restituir esta paixão no coração dos discípulos e discípulas é restabelecer a ordenança de Jesus á Igreja.”
“[Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.] E seguiram para outra aldeia.” (Lc 9.56); “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” (Mt 11.28). “E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura.” (Mc 16.15).
Todo o (a) discípulo(a) qualquer que seja seu ministério deve estar sempre impregnado de um profundo amor pelas vidas sem Cristo. John Knox orava pela Escócia objetivamente: “Senhor, dê-me a Escócia ou eu morro”. John Wesley exortava os pregadores leigos: “Vamos todos ter um só objetivo. Vivamos só para isto, para salvar as nossas almas e as almas daqueles que nos ouvem.” Este zelo é que o(a) discípulo(a) precisa restaurar em sua vida, a cada dia.
Blendinger, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1984. p. 658, 659.
Jeremias, J. Teologia del Nuevo Testamento. Madrid: Ed. Cristiandad, 1977. p. 182.
Mc Donald, William. O Discipulado Verdadeiro. São Paulo: Ed. Mundo Cristão, 1979. p. 3.
Bonhöeffer, D. Se não morrer, Fica Só. Lisboa: Ed. Alegria, 1961. p. 43-44.
Duewell, Wesley. Em Chamas para Deus. São Paulo: Ed. Candeia, 1994. p. 100-101.
Paulo Lockmann é Bispo da Igreja Metodista e Bispo da 1ª Região Eclesiástica